top of page
Lapes

A implementação de Políticas de cotas e seus efeitos não esperados na Educação Superior brasileira.


Um dos principais debates no campo da implementação de Políticas Públicas é sobre os efeitos não pretendidos das ações desenvolvidas. Ainda que estas sejam desenvolvidas por pessoas qualificadas e que compreendam as dinâmicas sociais e os problemas a serem tratados é possível que, quando colocadas em prática, surjam situações ou problemas não previstos durante o processo de elaboração das políticas. Um desses efeitos é a construção e propagação de estereótipos pejorativos sobre estudantes cotistas, que podem resultar em sua exclusão nos espaços acadêmicos. Nosso objetivo foi discutir este fenômeno.


No trabalho em questão discutimos o problema da estigmatização dos estudantes ingressantes a partir de políticas de ação afirmativa, principalmente cotas raciais, na medida em que diversos trabalhos têm indicado casos de discriminação contra estudantes negros cotistas. Comumente questiona-se desde o “mérito” pelo ingresso até a capacidade dos estudantes para acompanhamento dos cursos e atividades acadêmicas. Um dos principais argumentos contrários às cotas raciais é que a presença dos cotistas diminuiria a qualidade das instituições, sendo que não há qualquer evidência de que isso realmente tem ocorrido.


A intensificação das discussões que se seguiu à redemocratização do país, a atuação dos movimentos negros, as demandas pela redução das desigualdades e, finalmente, a implementação das ações afirmativas trouxeram à superfície tensões sociais latentes na sociedade brasileira, e principalmente no interior do sistema de ensino superior, que ficaram “adormecidas” devido à reduzida representatividade da população preta e parda nas universidades - principalmente em cursos de maior prestígio e mais seletivos das instituições públicas (na medida em que o PROUNI também é, em sua concepção, um programa de ação afirmativa e enfrentou menor oposição).


As cotas promoveram a diversificação do perfil discente e causaram “perturbações” na dinâmica de reprodução social historicamente estabelecida no sistema de ensino superior. Dessa maneira, a percepção do “crescimento do preconceito” seria explicada mais como uma reação a mudanças nas relações de poder no campo acadêmico e na sociedade e menos como um efeito direto das cotas, que apenas trouxeram para o debate cotidiano as tensões raciais do país cuja sociedade civil (ou parte expressiva dela) se nega a admitir a existência de racismo, preconceito e discriminação. Dessa maneira, argumentamos que a implementação das cotas raciais não é a origem da estigmatização, mas que apenas colocaram a questão em evidência no debate público e permitiu que atos de preconceito passassem a ser classificados como tal e passassem a fazer parte do debate político dentro e fora das universidades.


A Lei n° 12.711/2012, a “Lei de Cotas”, reserva 50% das vagas em Instituições Federais de Educação Superior a candidatos que estudaram em escolas públicas e, dentro deste percentual, estudantes pretos, pardos e indígenas respeitando a representação destes grupos nos estados onde as instituições se localizam. O objetivo da lei é contribuir para a inclusão de grupos sociais historicamente excluídos da educação superior ou que são sub-representados na maioria dos cursos e instituições de ensino do país. A implementação das cotas, principalmente as de critério racial, sempre geraram grande polêmica. Entre os argumentos contrários sempre esteve presente a afirmação de que as cotas “aumentariam o preconceito” contra os negros no Brasil ao reforçarem estereótipos racistas de inferioridade. Também se alegou que “criariam divisões entre negros e brancos” que supostamente não existiam no seio da sociedade brasileira que seria caracterizada como uma “democracia racial”.


Porém, o Brasil nunca foi uma “democracia racial”. Nosso país ainda possui muitas contas a acertar com o legado condenável de desigualdades promovido pela escravidão. A Abolição não veio acompanhada de qualquer tipo de política pública para promoção da cidadania e integração da população negra e isto se reflete nas estatísticas oficiais que, passados 132 anos, indicam a forte desigualdade persistente entre brancos e negros na sociedade brasileira. Autores como Oracy Nogueira indicam que o racismo no Brasil seria “velado” na medida em que as assimetrias seriam absorvidas no inconsciente coletivo e encaradas com naturalidade. A “naturalidade” com que a questão tende a ser tratada por parcela significativa da população brasileira ainda é um forte obstáculo para o debate sobre o racismo e o combate a desigualdades sociais no país.


Eduardo Borges (Doutorando, PPGSA/UFRJ. Pesquisador do LAPES/PPGSA/UFRJ e do LEPES/FE/UFRJ. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES).

Thaíssa Bispo Souza (Doutoranda, IESP/UERJ. Pesquisadora do LEPES/FE/UFRJ).


Os autores aprofundaram o tema no artigo "A estigmatização de cotista como efeito não pretendido da implementação da política pública de cotas" publicado na Revista de Administração Educacional da UFPE. Confira!









569 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page