Boa parte dos webinars que aconteceram nos últimos meses tentaram diagnosticar a terrível situação em que ficaram as instituições de ensino superior mundo afora. Passados alguns meses de uma conjuntura que, contra todas as nossas expectativas, já está tão longa que é quase uma nova estrutura, começam a surgir alguns debates propositivos.
Mais que lamentar a catástrofe, novos estudos analisam as medidas tomadas, sua eficácia, e os possíveis caminhos que se desenham para as instituições, os estudantes e os docentes. Foi o caso do webinar do LEES Unicamp, no dia 13 de outubro de 2020.
Começando pela excelente apresentação de Rosana Heringer, da Faculdade de Educação da UFRJ, que trouxe ao debate temas essenciais que vieram à tona nesses tempos difíceis. A apresentação sistematizou as diversas ações institucionais da UFRJ visando apoiar estudantes e professores em diferentes dimensões, desde os auxílios financeiros até a suspensão de medidas burocráticas de avaliação, passando por esteios psicológicos. Destaca-se também a reelaboração dos calendários acadêmicos e a busca de formas o menos danosas possíveis para implementação de aulas em modo remoto.
O debate que se seguiu abordou a possibilidade de organizar o conhecimento acumulado em diferentes instituições sobre as experiências de governança na crise e sobre as vivências dos estudantes, o mapeamento das dificuldades efetivamente enfrentadas por eles e a oferta de atividades complementares nesse período. É visível que se sabe pouco sobre as condições de vida dos nossos alunos, especialmente os mais pobres. Para a produção de ações institucionais adequadas foi demandada muita pesquisa sobre a situação efetiva desses estudantes, particularmente suas condições de acesso e utilização da internet para finalidades acadêmicas. Como indicado por Ana Albuquerque Moreira, um campo imenso de pesquisa se desenha aqui.
O ponto mais relevante – junto com a demanda por conhecimentos bem focados sobre a comunidade acadêmica – foi a indicação de que parece estar havendo uma inflexão no peso dado a cada função universitária. Como indicou Beth Balbachevsky, parece haver um reforço das atividades de ensino na universidade. Por diversos ângulos, o ensino se destaca nas preocupações dos dirigentes, dos docentes e estudantes. A busca quase frenética por formas eficientes de chegar a todos os alunos foi o principal foco dos debates nas diferentes instâncias da universidade. Os resultados começam a aparecer e ainda precisam ser avaliados.
O ensino se tornou uma dimensão saliente nesse momento e o trabalho docente invade uma parcela muito significativa da agenda acadêmica, consumindo algumas vezes a maior parte do tempo profissional. Se isso tem consequências necessárias sobre a avaliação dos professores universitários e que deverão ser pensadas e discutidas longamente, pouca atenção foi dada aos métodos didáticos. Em boa parte dos debates, ensino remoto parece ser uma réplica filmada das aulas antigas. Com certeza não é disso que se trata. Muito menos temos aí um reles problema tecnológico, de como se preparar para essa filmagem e sua distribuição.
Eis aqui o ponto chave, o nó que precisa ser desfeito para que esse cataclisma seja aproveitado como uma oportunidade de mudança e fortalecimento das funções atribuídas à universidade. É fundamental que se discuta, estude, entenda e compartilhe metodologias didáticas adequadas não só a tempos pandêmicos: elas já vêm sendo demandadas há algum tempo mas podiam ser ignoradas. Os fracassos podem ser atribuídos a indivíduos despreparados – alunos e professores – ou às dores da expansão, que sempre abre espaços para mais estudantes. Entretanto, há muito tempo se exige que se utilizem as novas pedagogias, focadas na preparação para um mundo muito diferente daquele onde se desenharam as formas institucionais e curriculares da nossa universidade. E, ao que tudo indica, essas novas pedagogias exigem um trabalho de partilha entre professores e estudantes que vai muito além da atitude professoral e da submissão estudantil. Há necessidade de mais trabalho em grupo, formas mais adequadas de avaliação, efetiva participação no processo de aprendizagem. Tudo isso pode ser perfeitamente produzido num ambiente de educação à distância ou aulas remotas, como se preferir. Mas a condição essencial é que os professores recebam o apoio institucional das tecnologias e da preparação pedagógica para essa atividade que adquiriu facetas totalmente novas.
Um bocado de estudo e pesquisa pela frente. Muito diálogo e compartilhamento de experiências são necessários.
Para a pesquisa, uma questão se coloca. O nosso modelo institucional de universidade, de base humboldtiana, enfatiza bem mais a pesquisa e a pós-graduação que o ensino propriamente dito. A própria seleção de novos professores é um indicador disso. Se as mudanças que se desenham nesses tempos de pandemia forem mais permanentes do que nos parecia inicialmente estamos possivelmente caminhando para um novo modelo de ensino superior. Ou talvez, menos radicalmente e igualmente relevante, estamos configurando um sistema de ensino superior com funções semelhantes, mas enfatizadas e valorizadas diferencialmente. Um sistema de ensino superior que prepare professores competentes e profissionais qualificados ao lado de excelentes acadêmicos.
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A ideia é pensar tanto como ensinar, como para quem e o quê ensinar. E conversar.
Excelente chamado a discussao. Esse texto me fez lembrar de um debate que conheci tem pouco tempo que diz que a pratica academica tal qual conhecemos passa por um processo de desagregação (unbundling) que envolve justamente o aumento do uso das tecnologias nas atividades de ensino. Uma nova forma de organizar as atividades dos professores universitarios que bate a nossa porta, o debate e mesmo fundamental.
O Webinário LEES - Acesso e permanência no ensino superior durante a pandemia da COVID-19 está disponível no endereço:
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